São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Cabral diz que é o "menino mimado" de SP

ALCINO LEITE NETO
DA REDAÇÃO

Erramos: 15/06/94

Em alguns exemplares, foi informado incorretamente que a noite de autógrafos do poeta João cabral de Melo Neto aconteceu no dia 14/06. O evento ocorreu dia 13/06.
Cabral diz que é o 'menino mimado' de SP
O poeta autografou ontem na cidade a edição de sua "Obra Completa", publicada pela Nova Aguilar
"Eu sou o 'enfant gaté' (o menino mimado) de São Paulo", afirmou João Cabral de Melo Neto, na noite de autógrafos de sua "Obra Completa", ontem, em São Paulo.
Nas ruas, era o frio. Mas na livraria Pedro Corrêa do Lago, com seus alfarrábios austeros, a noite foi uma das mais quentes que a livraria testemunhou.
Entre as cerca de 300 pessoas, estava lá a "crème de la crème" da intelligentsia paulista para saudar "um dos maiores poetas da literatura ocidental contemporânea", nas palavras do ensaísta Antonio Candido durante o debate.
A fila de autógrafos corria mais de 10 metros. O poeta, de 74 anos –acompanhado de seu terceiro uísque à caubói (os dois primeiros aconteceram em recepção na casa de Lygia Fagundes Telles, antes do lançamento)–, autografava com a paciência de um monge.
A fila de autógrafos só foi interrompida para que acontecesse a mesa-redonda, às 2lh10.
Dela participaram Antonio Candido, o professor João Alexandre Barbosa, o empresário e bibliófilo José Mindlin e o editor Sebastião Lacerda, da Nova Fronteira e da Nova Aguilar, que publica a obra de 838 páginas (39 URVs).
"Diante deste público que está esperando autógrafo, seria crueldade falar as coisas que eu preparei", afirmou Antonio Candido, retirando do bolso do paletó as quatro páginas de suas anotações datilografadas e anotadas à lápis.
Não apresentou tudo, mas disse o essencial, sintetizando numa só tacada toda a poesia de Cabral: "Ela trata as palavras como se fossem coisas e organiza essas coisas de tal maneira como se fossem conceitos".
Observou que, ao contrário do que pensa o juízo comum, a poesia de João Cabral é de uma "extrema variedade" e, lembrando "A Fábrica do Prado", do poeta francês Francis Ponge, disse que em cada poema de Cabral se percebe que está ali, dentro dele, a "fábrica inteira do próprio poema".
Candido preferiu dedicar o restante de seu tempo contando como conheceu, através de um amigo do Recife, o primeiro livro de João Cabral, "Pedra do Sono", publicado em 1942, e do qual fez a primeira grande crítica na imprensa, revelando nacionalmente o poeta.
Ao final, João Cabral agradeceria Candido pela crítica e, sobretudo, por ter revelado a ele que o melhor de sua poesia ia pelo lado "construtivo" e não pelo "espontaneísta".
O professor João Alexandre Barbosa, cuja tese de livre docência na USP foi dedicada ao poeta, também preferiu abreviar sua fala, destacando o ponto principal: a dificuldade de "ser poeta como João Cabral no Brasil, dentro da poesia brasileira".
Ressaltou que o lirismo, o "antilirismo" cabralino, apresenta uma enorme serenidade, no sentido de não ceder, de não conceder nunca à tradição lírica brasileira, que "tende a ser emoliente, concessiva, cordial em excesso".
"Eu nunca fui deputado nem professor, sempre fui diplomata e não tenho prática de falar, compreende?", disse João Cabral no encerramento da mesa-redonda.
Agradeceu aos participantes da mesa e ao público, fez uma pequena pausa e continuou: "É o tal negócio, eu fico comovido, entende, mas no fundo eu sou o último a crer nisso que dizem de mim."
Mais uma pausa miúda e afirmou: "Fico também comovido com São Paulo, porque no Nordeste se pensa que paulista é voltado só para São Paulo. No entanto, a impressão que se têm é que a cidade dá mais prêmios para pernambucanos, baianos, do que propriamente para paulistas".

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